Ébrio da ilustre mater lusitana,
Sentindo-me mui preso por saudades,
Das longínquas terras da Taprobana
Queria tanto saber novidades.
De Casablanca, Istambul, de Tirana
E tantas outras míticas cidades.
Senti então envolver-se a minha alma,
Numa paixão tão violenta e tão calma.
Quisera pois o Fado que estes anos,
Vivessem Lusitanas convulsões,
Dessem ao povo muitos desenganos,
E parissem grandes desilusões.
Sofria nosso Império muitos danos,
Confundiam-se aí as multidões.
Muitos timoneiros foram ao leme
Duma nau que caturra e toda treme.
Rumando incerto ao vento e à vaga,
Nesta nau naveguei por curtos anos
Exausto na ansiedade desta saga,
Tão confundido nos valores humanos.
Inunda-me o espírito e não se apaga
A imagem tão eterna dos oceanos.
Sentado na areia, alma a vaguear,
Contemplei então longamente o mar
Que novos horizontes em si encerra
O horizonte que a minha vista alcança?
Nascido no manto verde da serra,
Hoje p’lo mar ensaiando esta dança,
Que saudades senti da minha terra,
Que saudades senti de ser criança,
Sorriso nos lábios, cabeça erguida
Tracei novos rumos na minha vida
Estudei nas escolas do Infante
As belas artes de bem navegar.
Foram anos belos, os de estudante,
Que tanto apraz à minha alma invocar.
Aprendemos o uso do sextante
E muitas outras cousas de pasmar.
Num misto de encantos e desenganos,
Salgámos a alma nos oceanos. |
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Todos a bordo que a nau vai partir,
Ela está prestes a fazer-se ao mar.
No cais fica qual lágrima a sorrir,
Na nau partem corações a sangrar.
São homens confundidos a fingir
Que nasceram mesmo p’ra navegar.
Buscam novos rumos, novos destinos,
Sustentando-se nos poderes Divinos...
Perdemos nos astros, no firmamento
A última réstia das vaidades.
Por ser tão curto o nosso pensamento
Enfrentando as cósmicas realidades.
Entregamos nós hoje a alma ao vento
E às mitológicas realidades.
Neptuno, Baco, Afrodite e Marte
São eleitos mestres da nossa arte.
Nos céus, os planetas e as estrelas
Serão nossa futura companhia,
Vão iluminar as manhãs mais belas,
Colorir os céus ao final do dia.
Autores de maravilhosas telas,
Assim como da noite a estrela guia.
Dormir sob o manto da natureza
Saborear o prazer e a rudeza.
Sentir novas ideias, novas gentes
Desvendar sonhos, nobres ideais,
Sentir prazer até ranger os dentes,
Ser feliz até já não poder mais.
E buscar naqueles que são diferentes,
Resposta às nossas questões principais.
Partir num sonho que de tão distante
Uma viagem longa nos garante.
E ditar às cordas de uma guitarra
O poema tão forte e apaixonado
De quem vive a vida com tanta garra
Longe daqui, mas amando o passado.
Largar desta pátria a última amarra,
Entregar-se de corpo e alma ao Fado.
Viver a vida, enfrentar velhos medos,
Voltar a ser menino e a ter segredos. |