Casimiro Rocha Barreto
(1958-2006)

 

NAVEGAMOS por mares já antes navegados...
 
 

A obra de Casimiro Barreto, editada em Novembro de 2001 e patrocinada pelo Instituto Camões, dá deste nosso camarada da Reserva Naval a grande dimensão do seu espírito aberto e sonhador. Artista plástico e profundamente conhecedor da vida dura no Mar, alia num contraste muito interessante, uma sensibilidade poética e um sentido prático da vida que só pode ter uma explicação – é que no Mar há tempo para sonhar mesmo passando por momentos da mais dura provação.

Ele próprio escreveu que “é no Mar que está o nosso destino e a nossa redenção”. Foi, no entanto, em Terra que  o seu destino aconteceu. E em Terra viveu a sua redenção.

Passou dez anos a navegar ao serviço da Marinha Mercante, como oficial piloto. Integrou a Reserva Naval da Marinha de Guerra.

Foi docente na Escola Náutica Infante D. Henrique onde estudara.  E leccionou na IMO – International Maritime Academy, em Itália.

Para além do mais fez amigos, muitos. E foi camarada atento numa vida de simplicidade, de dedicação e de exemplo, que o último ano da sua vida bem retracta. Martirizado pela consciência da doença e pela dor física que a mesma lhe causava, manteve uma presença actuante que tornava mais difícil ainda a impotência dos amigos para lhe chegarem com alguma ajuda.

Foi no dia 7 de Março de 2006 que Casimiro Barreto nos deixou. Fica-nos a sua memória, o seu exemplo e a certeza dos filhos manterem, com o seu exemplo de vida, a imagem que dele guardamos para sempre.

Neste lembrar da sua vida deixamos parte do seu Livro.

“Camões inspira-o e o oceano sustém-no. E homenageando o Poeta, revê-se nele na ligação que tem com o mar”

Tal como a obra de Camões, estende-se  do Canto I ao Canto X. No primeiro, o homem espelha através do mar toda a materialização dos seus sonhos. A descoberta, o medo, a coragem, levam-no a querer o conhecimento do que está do outro lado dos vastos oceanos, escreve o autor. Deu-lhe o título de:

 

O FASCÍNIO

 

Ébrio da ilustre mater lusitana,
Sentindo-me mui preso por saudades,
Das longínquas terras da Taprobana
Queria tanto saber novidades.
De Casablanca, Istambul, de Tirana
E tantas outras míticas cidades.
Senti então envolver-se a minha alma,
Numa paixão tão violenta e tão calma.

Quisera pois o Fado que estes anos,
Vivessem Lusitanas convulsões,
Dessem ao povo muitos desenganos,
E parissem grandes desilusões.
Sofria nosso Império muitos danos,
Confundiam-se aí as multidões.
Muitos timoneiros foram ao leme
Duma nau que caturra e toda treme.

Rumando incerto ao vento e à vaga,
Nesta nau naveguei por curtos anos
Exausto na ansiedade desta saga,
Tão confundido nos valores humanos.
Inunda-me o espírito e não se apaga
A imagem tão eterna dos oceanos.
Sentado na areia, alma a vaguear,
Contemplei então longamente o mar

Que novos horizontes em si encerra
O horizonte que a minha vista alcança?
Nascido no manto verde da serra,
Hoje p’lo mar ensaiando esta dança,
Que saudades senti da minha terra,
Que saudades senti de ser criança,
Sorriso nos lábios, cabeça erguida
Tracei novos rumos na minha vida

Estudei nas escolas do Infante
As belas artes de bem navegar.
Foram anos belos, os de estudante,
Que tanto apraz à minha alma invocar.
Aprendemos o uso do sextante
E muitas outras cousas de pasmar.
Num misto de encantos e desenganos,
Salgámos a alma nos oceanos.

 

Todos a bordo que a nau vai partir,
Ela está prestes a fazer-se ao mar.
No cais fica qual lágrima a sorrir,
Na nau partem corações a sangrar.
São homens confundidos a fingir
Que nasceram mesmo p’ra navegar.
Buscam novos rumos, novos destinos,
Sustentando-se nos poderes Divinos...

Perdemos nos astros, no firmamento
A última réstia das vaidades.
Por ser tão curto o nosso pensamento
Enfrentando as cósmicas realidades.
Entregamos nós hoje a alma ao vento
E às mitológicas realidades.
Neptuno, Baco, Afrodite e Marte
São eleitos mestres da nossa arte.

Nos céus, os planetas e as estrelas
Serão nossa futura companhia,
Vão iluminar as manhãs mais belas,
Colorir os céus ao final do dia.
Autores de maravilhosas telas,
Assim como da noite a estrela guia.
Dormir sob o manto da natureza
Saborear o prazer e a rudeza.

Sentir novas ideias, novas gentes
Desvendar sonhos, nobres ideais,
Sentir prazer até ranger os dentes,
Ser feliz até já não poder mais.
E buscar naqueles que são diferentes,
Resposta às nossas questões principais.
Partir num sonho que de tão distante
Uma viagem longa nos garante.

E ditar às cordas de uma guitarra
O poema tão forte e apaixonado
De quem vive a vida com tanta garra
Longe daqui, mas amando o passado.
Largar desta pátria a última amarra,
Entregar-se de corpo e alma ao Fado.
Viver a vida, enfrentar velhos medos,
Voltar a ser menino e a ter segredos.

 
 
 

José Pires de Lima
4º CEORN

 

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