A evocação do
comandante Artur Manuel Coral Costa, abrindo
esta “Galeria”, não é mero acto de retórica.
Nele se corporiza a História da Reserva Naval.
Como Director de Instrução do 1.º CEORN, em 1958
e, no ano seguinte, do 2.º, foi vigilante atento
das matérias ministradas nos cursos, na
sequência da tarefa de que fora incumbido
superiormente.
Foi ainda com o
comandante Coral Costa que acompanhou o 5.º
CEORN na sua viagem de instrução, substituindo o
Director de instrução deste curso, entretanto
destacado para outra missão, o CTEN Paulo
Belmarço da Costa Santos.
É o próprio
comandante Coral Costa que nos conta a forma
como recebeu essa missão, em entrevista
recolhida para a Revista da AORN, em 1997. Nela,
são-nos revelados também dados históricos acerca
do início da Reserva Naval:
“Na altura, os
Quadros normais da Marinha não previam operações
de guerra nas Províncias Ultramarinas. Isto quer
dizer que qualquer oficial que destacava para
Angola, Moçambique ou Guiné, era desligado do
Quadro. Desta forma, dava-se uma consequente
redução dos efectivos no Continente, com as
evidentes dificuldades de preencher os lugares e
posições que ficavam vagas.
O único pessoal
que não desligava, era o dos navios e o dos
Destacamentos de Fuzileiros. Capitães de Portos,
Governadores de Província, Comandantes de Defesa
Marítima e outros, eram desligados do Quadro.
Como se
depreende, não havia Quadros para as
necessidades exigidas por três frentes de
combate.
Esta situação
veio a verificar-se alguns anos mais tarde, mais
precisamente três anos após a entrada, em 1958,
do 1.º curso da Reserva Naval, podendo
considerar-se a decisão de iniciar estes cursos
como uma antecipação, ou previsão, de situações
e cenários que vieram a ser realidade.
Estava eu a bordo
da Fragata “Diogo Gomes”, como oficial Imediato;
recebi, através do respectivo Comandante Basílio
de Sousa Pinto, a indicação de que o Almirante
Quintanilha me queria falar. Conhecia o
Almirante Fernando Quintanilha desde a viagem do
Aviso “Bartolomeu Dias” às comemorações da
coroação da Raínha Isabel II de Inglaterra. Ele
era então o comandante desse navio e eu o
oficial chefe do Serviço de Artilharia. Mas não
fazia a mais pequena ideia de qual seria o
assunto sobre o qual ele me queria falar.
Dirigi-me ao
Gabinete do Almirante Quintanilha, apresentei os
cumprimentos normais e, com o feitio que se lhe
conhecia, não perdeu tempo com grandes
explicações. Deu um murro na mesa e disse-me: -
Coral, vamos começar com a Reserva Naval.
Percebi, então,
que qualquer pergunta que fizesse seria
absolutamente extemporânea.
E disse: Pois
sim, senhor Almirante.
E terminou ali a
conversa.
Quando cheguei ao
corredor, disse para comigo: O que será isto?
Onde é que hei-de ir? E dirigi-me, penso, ao
sítio certo.
Na 1.ª Divisão do
Estado-Maior estava o Comandante Manuel Pereira
Crespo, futuro Ministro, oficial que remodelou a
Marinha em muitos aspectos, de grande valor, CMG
na altura e muito meu amigo. Expliquei-lhe a
situação e recebi algumas preciosas directivas.
Passaram-me para a
Escola Naval, mas era em casa que trabalhava no
assunto, dia e noite. Tinha um mês para fazer o
trabalho.
Eu já tinha estado
no estrangeiro, sabia mais ou menos os
planos de um curso desta natureza, o tempo que
se leva a falar de certas matérias, de alguns
pormenores importantes e acabei por fazer o
Plano de Curso. Evidentemente que tive de
recorrer a camaradas que me ajudaram em períodos
muito especiais, como foi o caso da Navegação,
em que foi fundamental o apoio do comandante
Pinheiro de Azevedo. Era, aliás, uma matéria que
ninguém acreditava fosse possível ensinar
em tão pouco tempo.
Refiro aqui outras
colaborações que me foram dadas. Para as
matérias de Máquinas recorri ao Eng.º Vila Real,
também formado pelo Instituto Superior Técnico.
Nas matérias de Luta
Anti-Submarina, ao tenente Virgílio de Carvalho;
para as Comunicações, ao tenente Paulo Manuel
Guerra Corujo; para as Informações de Combate,
ao tenente João Encarnação Simões e para
Administração Naval, aos tenentes Alfredo de
Oliveira e Carlos Pereira de Oliveira.
Feito este estudo,
extrapolei para seis meses, nem mais um dia. No
total um ano e meio de serviço.
Na mesma entrevista, as razões porque o
comandante Coral Costa decidiu oferecer à
Reserva Naval o seu valioso espólio, constituído
por uma Biblioteca de várias centenas de livros,
nos quais se incluem, encadernados, todos os
números da Revista de Marinha.
Também as suas fardas de gala e n.º 3, todas as
condecorações descritas na sua biografia e a sua
Espada.
“Ao
longo da minha vida e pelo curriculum que vos
mostrei, conclui-se que mais de metade do tempo
passei-o a bordo. Mais do que em casa. Penso que
as minhas coisas, relacionadas com a vida de
Marinha, não irão ter continuidade. Os livros
que fui comprando, para os ler mais tarde quando
houvesse mais tempo, terão possivelmente o
destino da Feira da Ladra. Tudo são bocadinhos
meus. Pensar que tudo iria, talvez, ser vendido
a peso, era de facto um desgosto enorme.
Numa Biblioteca
Nacional de Marinha iria passar despercebido.
Num Museu, igual.
Eu tenho esperança
que na vossa Associação, serão de facto
apreciados. Com outra curiosidade, até porque de
entre estes livros há alguns que são realmente
bastante bons”
Estas confissões do comandante Coral Costa, na
sequência da sua decisão de tornar depositária
do seu espólio a Reserva Naval, representada na
AORN, conhecedor do projecto de instauração de
um Museu materializando a sua História, é prova
da máxima simpatia e amizade que a ela dedicou
desde sempre, e deverá conciencializar esta
Associação para a responsabilidade que o acto
representa.
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A.
Andrade Neves - 2º CEORN, J. de Almeida
Rezende, M. Andrade Neves,
J.
Cavalleri Martinho e
M. Paiva Pinto, todos do 1º CEORN, com o Comandante
Coral Costa |
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O capitão-de-mar-e-guerra Artur Manuel Coral
Costa, em 15 de Janeiro de 1998 teve
oportunidade de se reunir num almoço, no Clube
Militar Naval, com oficiais da Reserva Naval que
pertenceram ao 1.º e 2.º CEORN’s.
Director de Instrução destes dois cursos,
decorridos 40 anos desde o seu primeiro
encontro, foi nesta data reactivada a ligação ao
passado através de João de Almeida Resende,
Manuel Andrade Neves, José Cavalleri Martinho e
Manuel Paiva Pinto do 1.º curso e António
Andrade Neves do 2.º, num acto de extrema
simpatia e amizade.
Quem teve o privilégio de conhecer o Comandante
Artur Manuel Coral Costa, ao longo da sua vida
activa de marinha ou, já retirado, mantendo as
suas ligações em religiosas deslocações ao Clube
Militar Naval para almoços com amigos, guarda a
imagem de um grande Senhor, profundo conhecedor
da História da Reserva Naval e em permanente
manifestação de orgulho por ter deixado o seu
nome ligado ao sucesso da Reserva Naval.
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José Pires de Lima
4º
CEORN - 1961 |
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